domingo, 25 de julho de 2010

Sobre o Amor


" Era uma vez uma criatura marinha que seduzia as raparigas de olhar perdido no reflexo das águas. Esse magnifico Tritão de escamas cintilantes, encantava-as, ondolando á superficie na crista das ondas para as arrebatar nas margens e as devorar para sempre nos abismos do oceano. Um dia, ao apoderar-se da bela Agnés, enquanto ela se abandonava de corpo e alma nos seus braços e quando ele estava a ponto de a arrastar para o seu funesto destino, o tritão ficou perturbado pelo seu olhar apaixonado e pleno de ingenuidade, de desejo e de uma confiança absoluta da jovem rapariga. Com o coração apertado, vencido pelos seus olhos puros, o tritão ficou congelado e o movimento das ondas congelou com ele.
Como podia ele, consequentemente, subjugar esta inocente que tinha acabado de fazer nascer em si o sentimento desconhecido do Amor? Ele não passava de um tritão. Dado que seduzi-la era aniquila-la, dado que confessar-lhe a sua natureza de demónio era também arriscar-se a fazê-la perder a razão, dado que por fim este Amor era pura e simplesmente impossivel, o tritão reconduziu-a ao seu mundo e depo-la na areia, com todo o carinho e em pleno desespero. O seu Amor abandonado por Amor. Um Amor perdido por se tratar de um Amor de perdição. Depois, o tritão precipitou-se no oceano uivante. Só, mas como que rasgado ao meio. Reduzido a migalhas, mas sentindo-se imenso pelo seu inacreditavel sacrificio. o sal das suas lágrimas juntou-se ao sal do mar e os gritos do seu coração uniram-se ao uivo das vagas."

in Os Filosofos e o Amor.

Eu não sou Agnés nem tu és tritão, mas o que tu não sabes é que sempre que me afastas dos teus braços e me depositas em terra bem longe de ti e daquilo que pensas que me pode magoar, eu nunca chego a sair das margens desse oceano por onde tu andas.
Permaneço á tua espera naquelas areias quentes onde tu me arrebatas e onde me deixas febril com o desejo que percorre o meu sangue. Ás vezes parece que nunca cheguei a sair das margens e da areia quente que me envolve quando tu não estás...

2 comentários:

Anónimo disse...

Ás vezes parece que nunca chegaste a sair das margens e da areia quente que te envolvem quando eu não estou... depois recordas-te... e vês quão longe foste.

Anónimo disse...

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro.
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto
que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.


Eugénio de Andrade
(o título diz tudo...)