quarta-feira, 31 de março de 2010

Palavras

Há palavras que quando chegam á nossa vida nos mudam para sempre.
Umas mudam quem somos, aquilo em que acreditamos, outras apenas mudam a forma como nos mostramos aos outros ou quem fazemos por ser.

Numa tarde de verão no ccb conheci alguém cujas palavras ficaram gravadas na minha memória e que me levaram a ser outra.

- Fiquei tão absorta a olhar para um quadro da Paula Rego que continuei a andar sem olhar por onde ia. Acabei por dar um valente encontrão a um desconhecido que em vez de se aborrecer comigo, pegou na minha mão sorrindo e disse:
- Só por estar aqui já valeu a pena a minha tarde. Já ninguém sabe vestir-se para vir a um museu. Gosto do vestido de linho branco. Gosto do cheiro doce e amadeirado do perfume. Perfume de mulher, daqueles que não se confunde com o meu. Gosto do som que os saltos altos fazem ao bater no marmore do chão. Gosto do rasto feminino e delicado que deixa ficar sempre que muda de sala...

Claro que na altura pensei que ou estava a brincar comigo ou era uma tentativa de sedução, mas ditas estas palavras aquele homem de cabelo grisalho e barba bem aparada desapareceu da sala, deixando apenas as palavras. E as suas palavras fizeram eco em mim e e foram agregando imagens. Imagens de uma silhueta feminina, doce intensa e com brio em si própria. Nesse dia mudei. Revejo-me muitas vezes naquelas palavras, na imagem deixada ficar a solta pelos corredores do museu.
Escusado será dizer que fiz questão de ser o mais possivel essa mulher e hoje quando vou a um museu olho sempre com curiosidade as outras mulheres que se cruzam comigo. Porque há uma geração de gente que pensa que para se ser intelectual tem que ser semelhante a um homem. Por ali andam com oculos de maça pretos, roupa escura nada vistosa, perfume unisexo, malas de pano a arrastar pelo joelho, a olharem para os quadros tentando retirar deles aquilo que não encontram na sua vida.

Só posso sorrir e pensar como entendo tão bem aquele desconhecido.

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