Sobre o post do arrumadinho? Posso dizer que hoje é mais fácil amar alguém integro, sensivel e bondoso, do que alguém inteligente, super culto e com um mundo para lá de interessante.
Eu admiro pessoas com mundo, gente com experiências para contar, coisas interessantes para partilhar, com dimensão e conhecimento. Chega-se lá não atirando anos de vida para o lixo, como muita gente faz. E aqui falo de homens e mulheres. Pessoas que chegam a Dezembro, com as 12 passas na mão, olham para trás e percebem que mais um ano passou e não fizeram nada de verdadeiramente relevante que os tornasse melhores pessoas. Não leram quase nada, não viajaram quase nada, viram um ou outro filme que passou na TVI, nem sequer se preocuparam muito em ser felizes, não estiveram com amigos, não se inscreveram naquele curso que parecia interessante, não se esforçaram por entender o porquê de estarmos em crise, estiveram-se nas tintas para a Líbia, não leram um jornal. Limitaram-se a deixar passar o tempo ao sabor de uma rotina confortável que os levou até ali, às 12 passas na mão, em cima de uma cadeira, cuecas azuis vestidas e um sentimento de "para o ano é que é — vou ler dois livros por mês, vou fazer aquela viagem a Itália, vou para o ginásio perder esta barriga, vou sair mais com os amigos, vou mudar a disposição da sala, vou encontrar a pessoa certa para mim e vou voltar a estudar". Geralmente aí a 3 de Janeiro, 28 rabanadas no bucho depois, começam a dizer que o ginásio pode ficar para o mês seguinte, para começarem logo dia 1, não começam o livro de 688 páginas que receberam no Natal porque nessa noite há um "especial Meu Amor", com três episódios de seguida, não vão ao cinema porque está frio, não vão ao teatro porque é chato, percebem que para voltar a estudar o melhor é inscreverem-se só em Setembro, e deixam os planos de férias para depois, até porque se calhar o melhor é mesmo ir pela sétima vez à República Dominicana, onde a água é quentinha e pode comer-se o dia inteiro.
Muitas pessoas gostam de pensar que não fazem nenhuma destas coisas por falta de dinheiro. Há casos em que acredito que sim, que o dinheiro é o travão, principalmente a partir de certa idade, quando passamos a ter maiores responsabilidades, com contas para pagar e filhos para sustentar. Mas o problema não é termos chegado aos 30 ou 35 anos e não termos dinheiro para ir conhecer mundo. O problema é termos chegado a essa idade e olharmos para trás e vermos um vazio imenso que podia ter sido preenchido de mil e uma maneiras mais ricas. Toda a gente se queixa de falta de dinheiro, mas chega-se ao Natal, ao Carnaval, à Páscoa e ao Verão e esgotam os bilhetes para as Caraíbas, e o Algarve está lotado. Afinal, parece que sempre há algum dinheiro. Mas em vez de procurarem fazer coisas novas, ganhar mundo, muita gente procura criar novas rotinas — agora de férias — tentando uma vez mais não sair da sua zona de conforto, repetindo as fórmulas de sempre, que ao menos são seguras.
A dimensão humana que se ganha com uma vida preenchida ajuda a tornar-nos admiráveis. Não estou a dizer que as pessoas mais viajadas são todas boas pessoas. Não é nada disso. O que sei é que quando se ganha mundo, quando se conhecem outras pessoas, outras realidades, quando se percebe o que é, de facto, a miséria, a tristeza, quando vemos gente ser feliz com tão menos do que nós temos, isso tudo quase que nos obriga a reflectir sobre a nossa própria existência, sobre as nossas opções, e dessa reflexão, acredito, nasce uma força que nos torna melhores.
Nunca é tarde para se começar esse processo. Basta querer-se. E quando queremos muito, conseguimos. O mais difícil é mesmo vencer a inércia (ou a preguiça) que nos trava o primeiro passo. O que nos torna mais ricos não é o destino final, porque esse não existe, mas sim o caminho que fazemos até lá.
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